O upcycling se mostra versátil e aplicável a praticamente todos os setores, desde cosméticos e alimentos a roupas e até a medicamentos, as oportunidades de valorizar resíduos de produção são cada vez mais atraentes para as empresas.
Pesquisadores do mundo todo já estão em busca de produzir remédios upcycled. Essa iniciativa busca tanto tornar os fármacos mais naturais como também diminuir o desperdício e a pegada de carbono vinda da indústria farmacêutica.
Nesse artigo, vamos te mostrar alguns exemplos de como isso tem sido possível.
Qual o impacto ambiental da indústria farmacêutica?
Não é tão comum pensarmos nisso, mas a produção de medicamentos tem sim seus problemas quando o assunto é sustentabilidade.
Uma das principais ameaças ao meio ambiente, por exemplo, é o descarte de antibióticos na natureza, o que pode causar o desenvolvimento de agentes patogênicos resistentes aos antibióticos, consequentemente, mais difíceis de tratar. Isto pode acontecer inclusive no nível do consumidor, que ao descartar incorretamente seus medicamentos vencidos ou restos não consumidos, contribui para agravar a situação.
A própria produção pode ser problemática e poluir as águas residuais, afetando negativamente os animais, especialmente os peixes que vivem em águas contaminadas.
Estudos mostram que rios da Europa abrigam peixes machos que são ‘intersexuais’ e, logo, apresentam características sexuais femininas. Esse fenômeno acontece principalmente devido à poluição da pílula contraceptiva e do seu composto principal, o etinilestradiol, eliminado pelo organismo humano no sistema de esgoto.
Pesquisas como essas levam a uma maior consciência para todos os países e tentativas de reduzir e tratar o impacto negativo da produção farmacológica no ambiente.
Na Europa, por exemplo, foi criado um compromisso da Federação Europeia das Associações e Indústrias Farmacêuticas para reduzir a presença de medicamentos na natureza.
Ingredientes upcycled de fontes naturais são uma das formas de reduzir a incidência de substâncias sintéticas farmacológicas no meio ambiente.
Upcycling de plástico que vira medicamento
Não é novidade para ninguém o quanto o plástico é problemático para a natureza, certo? Inclusive, na própria indústria farmacêutica, os resíduos plásticos provenientes das embalagens, rótulos e materiais de laboratório são assustadoramente numerosos.
Porém, já é possível fazer o upcycling desse plástico para produzir medicamentos.
Nas Universidades do Kansas e da Califórnia, nos EUA, uma equipe de pesquisa introduziu um método químico-biológico para fazer o upcycling de resíduos de polietileno.
Esse método trata de uma clivagem catalítica usada para produzir diácidos carboxílicos que são, posteriormente, transformados em produtos naturais farmacologicamente úteis por fungos geneticamente modificados.
Os fungos crescem rápido, são baratos de cultivar e já são comumente usados na produção de remédios, incluindo antibióticos como a penicilina.
Os pesquisadores das duas universidades norte-americanas desenvolveram uma estratégia para modificar geneticamente os fungos, para que eles sintetizem os produtos desejados.
Como exemplo, eles podem produzir compostos como asperbenzaldeído, citreoviridina e mutilina, que são matérias-primas em medicamentos para tratar doenças como Alzheimer e alguns tipos de câncer.
Com o upcycling, uma enorme quantidade de substâncias farmacológicas pode ser gerada através dos resíduos plásticos.
Borra de café pode virar remédio para doenças degenerativas
Já falamos sobre o upcycling de café algumas vezes por aqui. Desde o fruto às folhas, o café pode ser todo reaproveitado.
Mas quem diria que aquele pó que sobra depois de passar um cafezinho pode se transformar em um medicamento?
Essa ideia ainda está em desenvolvimento pelo Prof. Dr. Mahesh Narayan, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
Na borra do café, podemos encontrar o carbono do ácido caféico e esse composto pode ser usado para proteger as células cerebrais dos danos causados por doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, Parkinson e Huntington.
Assim, os pesquisadores vêm desenvolvendo um medicamento através do upcycling do café que terá essa função protetora.
O ácido caféico é um polifenol com propriedades eliminadoras de radicais livres. Sua capacidade de penetrar na barreira hematoencefálica permite chegar até as células cerebrais internas. O remédio seria ideia para o início do tratamento de Parkinson e Alzheimer, por exemplo, retardando o progresso da doença.
E por quê a borra de café é ideal?
Porque o ácido caféico não pode ser extraído, mas apenas sintetizado através do “cozimento.” Ou seja, só o aquecimento do pó do café produz a substância desejada.
O objetivo da equipe do Prof. Narayan é que os resultados da pesquisa possam levar à indústria farmacêutica um novo medicamento que previne algumas doenças degenerativas causadas por fatores não genéticos.
Além disso, a ideia é que esse remédio seja acessível em termos de valores e feito, principalmente, de compostos naturais e não químicos.
Remédios analgésicos feitos de papel upcycled
E se eu te dissesse que Ibuprofeno e Paracetamol podem ser fabricados através do upcycling de pinheiros?
Cientistas do Departamento de Química da Universidade de Bath, no Reino Unido, descobriram como criar dois dos mais famosos analgésicos do mundo usando um resíduo da indústria do papel, trata-se de um componente da terebintina.
Ao adotar o upcycling desse resíduo, a indústria papeleira pode gerar uma gama de produtos a partir da terebintina, incluindo medicamentos, biocombustíveis e até polímeros.
É uma mão dupla de benefícios porque a utilização do petróleo para produzir produtos farmacêuticos contribui para o aumento das emissões de CO2 e sofre com as flutuações de preço, uma vez que dependemos da estabilidade de países com grandes reservas de petróleo.
O composto de terebintina, encontrado nos resíduos dos pinheiros usados para fabricar papel, é o precursor de medicamentos como betabloqueadores e o salbutamol, medicamento inalador para asma.
Um problema é que o processo de upcycling da terebintina encontrada nos resíduos dos pinheiros é mais caro, atualmente, do que as matérias-primas à base de petróleo. Porém, os cientistas acreditam que os consumidores estão dispostos a pagar um preço mais elevado por medicamentos mais sustentáveis e naturais, uma vez que eles serão derivados de planta.
E sim, o mercado já apresenta essa tendência e por isso a pesquisa tem recebido investimos e promete ser lucrativa.
Rótulos plásticos podem virar medicamento
Já falamos por aqui como os rótulos são fontes de resíduos e como a indústria já estuda alternativas para manter o consumidor informado sem imprimir rótulos desnecessariamente.
Por isso, ver uma iniciativa que está transformando rótulos de whiskey em remédios é algo a celebrar.
Talvez você não conheça a API Foilmakers, mas com certeza você conhece o whiskey Johnnie Walker, certo? A API é a responsável por fabricar os rótulos dessa bebida.
Essa empresa, em parceria com a Universidade de Edimburgo, está a desenvolver um novo processo que poderá transformar resíduos de plástico em produtos farmacêuticos para doenças neurológicas. O plástico que eles estão usando para esse estudo é o PET.
Usando bactérias e enzimas geneticamente modificadas para decompor os resíduos plásticos, os componentes químicos são transformados em produtos medicamentosos para o tratamento de uma série de condições.
Por fim, os pesquisadores acreditam que, quando finalizado, isso será um verdadeiro ponto de virada da indústria farmacêutica em direção a opções mais sustentáveis e mais baratas.
O futuro: a expansão do upcycling segue acelerada
Com os consumidores cada vez mais preocupados em fazer escolhas conscientes para o planeta, e a situação do meio ambiente só se agravando, parece ser uma escolha óbvia se virar para opções como o upcycling.
Ou seja, é usar o que antes seria resíduo para diminuir as perdas e o desperdício, melhorara eficiência da indústria e ainda aumentar o valor de um produto.
Na indústria farmacêutica isso não é diferente e os remédios upcycled tendem a se tornar cada vez mais comuns nas farmácias.
Referências: Pharmaceutical Technology, Packaging Insigths, Sustainable Brands, Nutrition Insights, News Medical, University of Exeter
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