A cearense Williara Queiroz de Oliveira não tinha como plano para sua carreira trabalhar com alimentos. A ideia inicial era entrar na faculdade para cursar Direito e seguir na área judicial, porém não foi possível e ela partiu para o plano B: engenharia de alimentos.
Formada pela Universidade Federal do Ceará, a identificação com o mundo dos alimentos não demorou para ser formada e, atualmente fazem 13 anos que Williara atua nesse setor. Hoje, ela é Doutora em Ciência dos Alimentos e trabalha com a pesquisa e desenvolvimentos de produtos da marca 3 Corações.
Tivemos o prazer de bater um papo e conhecê-la melhor e aqui está nossa conversa com Williara na íntegra.
Essa é a segunda entrevista do nosso projeto Silêncios que Nutrem, se você não viu a 1º, sugerimos que dê uma olhada clicando aqui. Você não vai se arrepender!
Ela queria direito, mas descobriu a engenharia de alimentos
- O que te levou a trabalhar com alimentos, há quantos anos você está na área?
O que me levou a trabalhar com alimentos foi a possibilidade que o Enem me deu. Na verdade, eu queria cursar Direito, mas eu também gostava muito dessa área de biológicas e de saúde, então quando eu coloquei o curso de Engenharia de Alimentos, eu achava que era tipo uma nutrição mais sofisticada (risos) e aí depois eu vi que tem um objeto de estudo completamente diferente. Mas eu continuo na área há 13 anos, entrei na faculdade em 2011 e é isso.
- Atualmente, você trabalha no grupo 3 Corações?
A 3 Corações foi uma surpresa muito boa pra mim, eu realmente não tava esperando e foi muito interessante porque veio a calhar com o término do meu doutorado. Então, nossa, eu fiquei muito feliz e muito grata a Deus pela oportunidade de trabalhar na indústria, de ver os conceitos que eu estudei todos esses anos de forma mais aplicada, direta e que interfere mais na sociedade.
- Como é um dia de trabalho comum seu?
Bem, eu acordo às 5:30, pego a rota da 3 Corações e chego lá por volta das 7:30. Depois, temos um café da manhã, depois vou para o meu setor que é a área de P & D, aí eu começo a fazer pesquisas. Agora a demanda é mais uma pesquisa sensorial de alimentos, então eu tenho estudado muito pra tentar padronizar os processos e estruturar essa parte na 3 Corações.
- Qual é a sua comida preferida? Aquela que fosse sua última refeição seria a que você escolheria.
Bom, eu sou uma formiguinha, sou a pessoa do time dos doces e eu amo, de paixão, tomar açaí com leite Ninho e se tiver uma pastinha de amendoim…nossa! Fica fantástico. Essa é minha comida favorita porque eu sou mais das sobremesas. Se comer doce direto fizesse bem à saúde, acho que eu não comeria coisa salgada. Eu fico feliz quando tô comendo isso, de verdade.
Ultraprocessados: a visão de uma especialista
- Eu vi que você fala muito sobre os termos processados e ultraprocessados. Qual a principal confusão envolvendo esses nomes?
Eu acho que o termo “ultraprocessado” deveria ser repensado, sabe? O termo e também a classificação que eu acho muito abrangente. Você encontra na categoria dos ultraprocessados tanto um biscoito recheado quanto um pão integral e a gente sabe que o pão integral vai entregar muito mais nutrientes do que o biscoito e ambos estão na mesma classificação. Então nós, engenheiros de alimentos, a gente argumenta que o termo é impreciso, ele pode levar o consumidor ao erro e a fazer más escolhas alimentares.
Eu acho que classificar os alimentos como processados e ultraprocessados pode ser bastante simplista, já que a gente tem milhares de produtos de diferentes níveis de processamento, diferentes níveis de composição, então creio que a classificação deveria ser repensada e por profissionais que trabalham com processamento de alimentos. Às vezes, é até ruim que nós que trabalhamos com processamentos de alimentos somos vistos como engenheiros do mal (risos). Inclusive, muitos alunos acabam desistindo do curso por ter esse estigma errado sobre alimentos industrializados.
Sustentabilidade e Upcycling
- Sustentabilidade é a principal preocupação, atualmente, quando falamos em produção de alimentos?
Hoje a gente consegue debater tanto na universidade quanto no mercado a questão da sustentabilidade. Essa é uma marca muito forte da geração que eu pertenço, os millennials, a gente discute muito mais sobre isso do que as anteriores, a gente entende que o crescimento populacional aumenta muito a demanda por alimentos e isso pode comprometer os recursos naturais.
Então a gente precisa pensar em estratégias que sejam inteligentes, além disso a gente tá vendo as mudanças climáticas. Eu tava até comentando com a minha gestora de P & D que o café, já que eu trabalho na 3 Corações, é uma cultura extremamente exigente e a gente precisa pensar numa forma de produzir café sem café ou um café que seja mais sustentável, através de uma produção laboratorial, celular. O difícil é aumentar essa escala. O fato é que a expansão das mídias sociais tem ajudado muito a gente a se contextualizar sobre a degradação ambiental, por isso, eu considero extremamente importante a questão da sustentabilidade.
- Aliás, e o upcycling, quais são seus pensamentos sobre?
Sobre o upcycling eu acho uma ferramenta poderosíssima para fomentar cada vez mais a sustentabilidade, para reduzir o desperdício de alimentos e promover uma economia mais circular. Na questão de produtos inovadores, eu trabalhei com ingredientes que seriam descartados na Embrapa. Por exemplo, a goma de cajueiro que é o exsudado do caldo, quando a goma de cajueiro sofre uma injúria, ela acaba expondo, como forma de defesa, o que a gente chama de látex. E nós usavámos esse material que, muitas vezes, é descartado pelo produtor de caju e castanha, para fazer embalagens, embalagens ativas. Então, o upcycling é uma ferramenta poderosa para alinhar todos os pontos da sustentabilidade.
Muito além do sucesso profissional: a pessoa por trás do crachá
- Qual a sua definição de sucesso? (se não atingiu, o que te falta para chegar lá)?
Eu acho que o sucesso é quando você pode, de alguma forma, servir as pessoas. E acredito que sim, eu cheguei sim nessa fase de servir as pessoas. Obviamente que o sucesso também está relacionado à satisfação que você tem de realizar algo. Mas eu me considero sim uma pessoa de sucesso no sentido de que eu olhando para minha trajetória, eu vejo que conquistei muitas coisas que para o meu lugar social não seria possível, entende?
Por exemplo, os meus pais não completaram o ensino fundamental, eu cheguei ao doutorado. Hoje eu ganho o dinheiro que eu posso ajudar na minha casa, posso me manter também. E assim, tudo que eu faço é pensando em como a tecnologia, o que eu estou criando ou recriando vai chegar em alguém. E agora na indústria eu tenho muito mais possibilidade de que algo que eu desenvolvi chegue até as pessoas. Então eu me considero sim uma pessoa de sucesso.
- Quem é Williara sem o crachá? Quem é você além do crachá, do sobrenome corporativo?
A Williara é uma pessoa muito curiosa. Gosto de descobrir as coisas, de desvendar mistério. Sempre gostei. Talvez foi por isso que eu fui pra pesquisa. Sou organizada, concentrada nos meus objetivos. Tenho alguns hobbies, por exemplo, eu amo cantar, já cantei para muitas pessoas. Inclusive, tem um vídeo do YouTube meu cantando um hino cristão, com mais de 35.000 visualizações. Gosto muito de ir na academia, passar 2 horas treinando. Sou uma pessoa que não gosta de acordar cedo. Odeio. Mas, infelizmente, eu tenho que acordar cedo. Sou muito ativa à noite, mas estou tentando mudar o meu relógio biológico. Mas é isso.
- Se você pudesse mudar um passo na sua carreira, o que faria diferente?
Se eu pudesse mudar um passo na minha carreira, eu teria aprendido, no mínimo, 3 idiomas e teria feito intercâmbio fora. Essa parte de estudar fora ainda não consegui. E como eu venho de um histórico familiar financeiramente mais difícil, ele só tinha condições de pagar a escola básica, então eu não tinha um inglês. Eu acho que se pudesse mudar eu aprenderia. Não só o inglês, mas outros idiomas. É uma coisa que eu gostaria de aprender ainda.
- O que é mais desafiador em sua profissão? E o que é mais recompensador?
Bem, eu acho que o que é mais desafiador na profissão é a falta de reconhecimento mesmo, porque quanto do mercado envolve os pesquisadores, né? Mas, graças a Deus, está mudando. Eu, por exemplo, entrei como pesquisadora na 3 Corações, então isso é muito bom para mim. Mas eu acho que a falta de reconhecimento social implica diretamente num salário que não seria o mais adequado. Não tô falando da 3 Corações porque é uma empresa excelente e que retribui muito bem as horas de trabalho do seu funcionário. Falo de forma geral. As pessoas não conseguem entender muito bem qual é a função do pesquisador. E o que é mais recompensador é você desenvolver algo que pode ser útil para alguém, melhorar a vida de alguém através da tecnologia.
Conversa boa passa rápido!
Essa foi nossa conversa com Williara Queiroz, o que você achou? Por aqui, estamos muito felizes de conhecer pessoas tão interessantes e com histórias tão especiais.
Quer se conectar com ela? Você a encontra aqui.
E, não se preocupe, a série continua, vem mais entrevistas por aí.
Fique de olho para não perder nenhuma!
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