A baunilha está em massas para bolo, iogurtes, sorvetes e em uma infinidade de alimentos e bebidas. Pode até ser um ingrediente discreto, que muitas vezes nem percebemos que está lá, mas tem muita inovação em torno dela. A baunilha pode ser tudo, menos sem graça!
A produção de baunilha é desafiadora e tem se tornado alvo de críticas devido principalmente às questões de sustentabilidade, por isso marcas do mundo todo estão trabalhando para encontrar alternativas e fontes extras para obter a baunilha ou, pelo menos, algo que tenha o mesmo sabor.
A sua baunilha provavelmente é fake
A baunilha que a maioria de nós consumimos é sintética. A baunilha natural é um artigo de luxo.
Primeiro que 80% da produção mundial desse ingrediente vem da ilha de Madagascar, ou seja, os custos com transporte e distribuição são enormes e com a intensificação das mudanças climáticas torna a oferta mais imprevisível e com maiores flutuações de preço. Além disso, a baunilha é uma vagem que resulta da extração de uma orquídea chamada Vanilla planifólia. Essa flor só cresce naturalmente em Madagascar e algumas regiões do México.
Por fim, o processo de extração é longo, levando cerca de 4 anos para amadurecer e as orquídeas abrem apenas 1 vez ao ano. A polinização tem que ser feita a mão, e as favas também são colhidas a mão, uma por uma para, posteriormente, serem fervidas.
Depois de fervidas precisam ser embrulhadas em cobertores próprios e aí são desidratadas.
E ainda não acaba aí, para acentuar o sabor da baunilha, ela precisa ficar armazenada por, pelo menos 6 meses, antes de estar pronta para ser comercializada.
Uma espécie vulnerável e uma oferta flutuante
Você já deve ter entendido como é complicada a produção e comercialização da baunilha, certo?
Com a demanda feroz do mercado não há tempo para esperar por ingrediente que demora tanto tempo para ficar pronto.
Isso sem contar com eventuais fenômenos naturais como, por exemplo, o ciclone que atingiu Madagascar nos anos 2000 e destruiu aproximadamente 80% de todo o plantio da vagem.
Por essas e outras que, de 2012 para 2023, o preço do quilo de baunilha aumentou cerca de 4900% e, atualmente, custa entre 1500-2000 dólares.
Assim, não é de se surpreender que a indústria use a baunilha sintética em suas produções de alimentos e cosméticos.
O sintético também tem problemas
O consumidor hoje busca naturalidade, por isso, os aromas e extratos artificiais parecem estar com os dias contados.
Em 2015, a Nestlé anunciou que iria eliminar aditivos artificiais dos seus chocolates, incluindo a baunilha sintética. Ou seja, a maior marca do mundo ditou uma regra que viria a ser seguida por muitas empresas na indústria mais cedo ou mais tarde.
Mas se não dá mais pra usar a baunilha artificial e a natural custa muito, o que fazer? Banir a baunilha dos alimentos?
É aqui que entra a inovação no desenvolvimento de alternativas, vamos falar delas agora.
Baunilha de plástico
Não, você não leu errado.
Pesquisadores da Universidade de Edinburgh, na Escócia, descobriram uma forma de fazer o upcycling de garrafas PET e transformá-las em baunilha. Tudo isso usando uma pequena bactéria.
Na verdade, eles obtiveram a vanilina, principal composto aromático encontrado na baunilha.
Estima-se que 50 milhões de toneladas de plásticos PET são descartados todos os anos e, juntando isso ao preço exorbitante da baunilha natural, temos um problema esperando para ser resolvido e que, ao que tudo indica, poderá ser finalmente sanado.
A ideia dos cientistas foi pegar o PET e cortá-lo em moléculas menores de ácido tereftálico e etilenoglicol. A partir daí, testaram diversas enzimas para encontrar a que melhor hidrolisasse o plástico. A enzima mais eficiente vem da bactéria E.coli, que posteriormente foi modificada e nelas inserindo o necessário para sintetizar a vanilina a partir do PET.
O processo é, de forma bem resumida, basicamente alimentar as bactérias modificadas com o plástico e elas produzirão a vanilina.
Já existe até sorvete com a baunilha de origem plástica
A conversa um pouco científica pode dar a impressão de que a técnica demorará décadas para ser adotada em larga escala, então vamos a um exemplo prático.
Saindo da Escócia e indo para outro país do Reino Unido, a Inglaterra, uma estudante de design que estava produzindo seu TCC, se viu frustrada com a impossibilidade de reciclar plástico. Em todos os lugares que ela pesquisava via que o plástico quase sempre é transformado em produtos que não podem ser reciclados apenas misturados com outras resinas.
Porém, tudo mudaria quando ela encontrou uma cientista de alimentos e ela lhe contou sobre o estudo que transformava plástico em baunilha.
A partir desse encontro, surgiu o primeiro sorvete de baunilha aromatizado com vanilina sintetizada com plástico no mundo. Atualmente, ele está sendo estudado e testado para garantir que é seguro para consumo humano.
Ficou curioso para provar, né?
Cultivo celular para produzir baunilha
Como você já deve ter imaginado a essa altura, é claro que cientistas do mundo todo estão correndo para os laboratórios para criar uma baunilha que seja o mais natural possível para substituir a artificial produzida hoje.
Por isso, a Chi Botanic, biotech localizada na Califórnia, entrou para essa leva de pesquisa e desenvolveu uma forma de produzir baunilha através do cultivo em células vegetais.
Ou seja, o grande diferencial aqui é criar uma baunilha que, sim é sintética, mas, ao mesmo tempo, é a base de plantas também, reduzindo a rejeição de um ingrediente criado a partir de plástico, por exemplo.
E como isso é feito?
De acordo com os fundadores da empresa, os cientistas Jonathan Meuser e Robert Jinkerson, o processo é o seguinte: “Em vez de cultivar a planta inteira, pegamos a planta de origem e a convertemos em uma cultura celular, que é então cultivada por fermentação em um biorreator, usando açúcar como matéria-prima. O que fazemos de diferente é desenvolver um pipeline de personalização de células, por meio do qual evoluímos as células para se parecerem com aquele tecido específico. Estamos ativando a capacidade natural da planta de produzir esse tecido.”
Então, basicamente, eles ensinam uma célula vegetal qualquer a produzir a baunilha em vez de, digamos, ervilhas.
Upcycling, de novo, é fonte de soluções inovadoras
Já falamos anteriormente de como o chocolate pode ser um produto de produção problemático, desde o cultivo do cacau até os resíduos deixados no processo. Mas e se te contarmos que os resíduos de um ingrediente muito utilizado na famosa pasta que leva chocolate, a Nutella, podem ser usados para produzir vanilina que, por sua vez, pode se tornar baunilha?
Estamos falando mais precisamente da avelã.
A marca suíça de chocolates Barry Callebaut uniu forças com a startup Bloom Biorenewables para investigar formas de fazer o upcycling das cascas de avelã que sobravam do uso na fabricação de doces. O resultado: vanilina upcycled.
Ao analisarem as cascas de avelã que sobravam da linha La Morella Nuts, os cientistas da Bloom perceberam que ela possuía uma biomassa muito promissora. A partir daí, usando um processo patenteado da startup, conseguiram transformar essas cascas em vários aromatizantes, incluindo a vanilina.
Por enquanto, o projeto ainda está em uma escala piloto, mas a ideia é testá-lo em breve.
Dos alimentos aos cosméticos e perfumaria, ainda há muito espaço para a baunilha
Por fim, só a título de uma informação aleatória, mas que ainda é sobre e baunilha upcycled, em 2021, a Avon lançou um perfume feito 100% de favas de baunilha upcyled.
Pode parecer absurdo, depois de tudo que falamos sobre as dificuldades no cultivo da baunilha natural e no preço altíssimo desse produto, mas sim muita baunilha é descartada, pois o cultivo e a colheita são processos delicados e, muitas vezes, as favas são danificadas e então descartadas como resíduo.
Pensando nisso, a Avon fez uma parceria com comunidades locais de Madagascar que são produtoras de baunilha para captarem os grãos que seriam descartados. Disso surge o perfume Far Away Beyond. Bacana, não é?
A iniciativa faz parte dos esforços da marca de se tornar mais sustentável.
Seja sozinha ou em combinações com outros sabores, a partir do plástico, das cascas de avelãs ou das células de outras plantas, a baunilha continua em alta.
Fontes: Food Navigator, NewsBreak, Fi Global Insigths, Agrolink, Scientific American, Oddity Central, Direct Selling News
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