Os alimentos cultivados são uma tendência que pode ajudar a pôr comida na mesa de uma população mundial em constante crescimento e fornecer maior segurança alimentar.
A partir de nossa enquete feita no Linkedin, percebemos que muitos ainda acham um pouco confusa a nomenclatura “cultivados” e prefere o nome “sintético”.
Dessa forma, a palavra cultivar pode levar a uma associação com a agricultura tradicional.
Embora os termos “baseado em células” e “cultivado” sejam as terminologias mais usadas pelos cientistas e empresas, muitas pessoas (inclusive vocês que nos acompanham) preferem outros nomes como: “in vitro”, “artificial” e “sintético”.
Muitos acham que assim teria mais honestidade com os consumidores, assim os auxiliando a saber exatamente o que está sendo comprado e os dando o poder de escolha.
Lembrando que esse é o 5º e último de uma série de textos. Já falamos sobre agricultura molecular, CRISPR, alimentos transgênicos e fermentação de precisão. Então se você perdeu algum, clica nos links e dá uma lida. Combinado?
O que são alimentos cultivados?
Antes de mais nada, esse termo é usado para descrever alimentos feitos de células microbianas, que são cultivadas em laboratório para criar carnes, peixes ou vegetais.
Você agora pode estar se perguntando: “Como assim, podem criar um filé de salmão em laboratório?”
Parece meio futurista demais, mas sim.
Este processo usa micróbios ou organismos unicelulares para criar alimentos. Ou melhor, “cultivar” um alimento.
Carne de boi? Não, de células de boi!
Em 2013, o cientista holandês Mark Post apresentou o primeiro hamburguer de carne cultivada ao vivo na televisão. E, desde então, o setor cresceu para mais de 150 empresas espalhadas pelos 6 continentes, impulsionado por cerca de R$2,6 bilhões de dólares em investimentos.
A carne cultivada é produzida sem o abate de nenhum animal e, mais do que isso, já foi aprovada para a venda pela 1ª vez pela Agência de Alimentos de Singapura.
Essa forma de produção é inovadora porque não imita o alimento original como os análogos à base de plantas que tentam imitar carne animal. Em vez de abater animais, esses alimentos multiplicam célular animais em laboratório.
Pra quem é de peixe, tem peixe
Vamos a um pequeno resumo do problema da pesca predatória em rios e oceanos: pesca em áreas de preservação, pondo espécies em extinção, contaminação dos frutos do mar por mercúrio, resíduos produzidos e liberados pelos navios, desequilíbrio da cadeia alimentar da área usada para pesca, destruição dos corais e a lista vai longe…
O peixe é altamente consumido no mundo todo e oferece inúmeros benefícios à saúde, como altas doses de ômega 3.
E é aqui que entra o peixe cultivado: uma alternativa sustentável que nos permite continuar aproveitando o alimento com a consciência tranquila.
A brasileira Sustineri Piscis já está investindo pesado na produção de bolinhos de peixe cultivados para os consumidores.
Outra boa notícia é que o cultivo em laboratório é mais rápido que os processos de aquicultura (criação de peixes e mariscos em tanques controlados), pois muitas vezes leva até dois anos para que o peixe atinja o peso certo para ser consumido. Com peixes criados em laboratório, em apenas dois meses o produto já está pronto para a venda nos supermercados.
E os vegetais?
Em primeiro lugar, células de vegetais também podem ser cultivadas em laboratório, o que acelera o processo de cultivo dos alimentos. O milho, por exemplo, leva até 90 dias desde o plantio até estar pronto para colheita. Em laboratório, esse tempo é infinitamente menor.
O cultivo na agricultura tradicional corre o risco de ser destruído por pragas ou por condições climáticas estressantes. Além disso, usa uma grande quantidade de recursos naturais, como a água.
As bebidas não ficam de fora
Não é só sobre o que comemos, mas também o que bebemos.
Afinal, quem é que vive sem um bom cafezinho?
Um centro de pesquisa da Finlândia, comandado pelo biólogo Heiko Rischer, se concentra em culturas de vegetais, utilizando uma planta especial: o café.
O café é a bebida mais consumida no mundo todo. Cerca de dois bilhões de xícaras são consumidas todos os dias, já pensou?
Porém, muitos problemas envolvem o cultivo tradicional do café, como: desafios socioeconômicos, mudanças climáticas e doenças que ameaçam as lavouras.
O café cultivado em laboratório é uma saída.
Case de sucesso
A Aqua Cultured Foods, startup de Chicago (EUA), vem trazendo ao mercado alternativas de frutos do mar sintéticos.
Essas alternativas incluem frutos do mar inteiros, lulas, camarões, vieiras e filés de atum e peixes brancos, como tilápia e robalo.
A CEO da empresa, Anne Palermo, disse que desde o início seu objetivo era “criar um produto realmente fantástico que atendesse a aparência, textura, nutrição e escala comercial e causar o máximo impacto global.”
Também tem opções para os pets
O mercado de alimentos cultivados pode ser explorado de inúmeras formas.
E uma delas é na fabricação de ração e petiscos para cachorros e gatos.
A BioCraft Pet Nutrition é uma empresa que desde 2016 vinha pesquisando formas de criar alimentos cultivados para os bichinhos de estimação.
E, ao fim, eles conseguiram.
Feita de células e, por enquanto, apenas no sabor frango, a ração contém todos os nutrientes essenciais para os animaizinhos, como altos níveis de proteína, vitaminas e aminoácidos.
Outra empresa brasileira na área
No Brasil, temos um grande exemplo de alimento cultivado. Trata-se da carne suína, mais precisamente a gordura do porco.
Estamos falando da start-up Cellva. O objetivo da empresa é criar gordura de porco em laboratório e vendê-la para outras empresas aplicarem no seus próprios produtos, como um salgadinho de bacon, por exemplo ou um prato de restaurante.
Fundada em 2022, a Cellva é apenas a 6º empresa no mundo e a 1º na América do Sul a investir no cultivo celular de gorduras e produzir essas gorduras em laboratório.
Um dos alimentos que podem ser feitos a partir da gordura da Cellva é a queridinha dos churrascos: a linguiça.
O chef Vitor Asparino do Green Kitchen Brasil, desenvolveu uma linguiça sintética para o seu restaurante usando ervilha e a gordura de porco cultivada em laboratório.
É seguro comer os alimentos cultivados?
Pesquisadores da OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmam que mais produção de alimentos assim e mais compartilhamento de dados sobre são necessários para identificar as semelhanças e diferenças entre os alimentos convencionais.
Ou seja, é uma tecnologia muito nova para já ter um veredicto definitivo sobre sua segurança.
Mas, especialistas afirmam que perigos que possam existir nos alimentos cultivados também podem acontecer nos alimentos tradicionais.
O futuro
De fato, os produtos de carne, peixe e aves cultivados em laboratório já chegaram nos mercados dos Estados Unidos.
O Departamento de Agricultura americano, responsável por inspecionar e garantir a segurança dos alimentos comercializados no país, já aprovou a rotulagem e emitiu concessões de serviços para dois fabricantes de aves cultivadas em junho deste ano.
Além disso, o FDA declarou que os alimentos cultivados têm uma segurança comparável com os produzidos por outros métodos.
Já na Itália foi protocolado a primeira projeto de lei para impedir a indústria alimentar do país de produzir alimentos à base de células, numa tentativa de “proteger o patrimônio culinário”. O projeto de lei ainda passará pelo parlamento para uma futura votação. Será uma tentativa de evitar o inevitável ou pode provocar um efeito cascata em outros países do mundo?
O que você acha disso?
Esse foi nosso último texto da série, esperamos que você tenha gostado e ficado por dentro das tendências e do futuro que vem chegando para mudar o jeito que nos alimentamos.
Fontes: FoodSafey News, nytimes.com, efsa.europa.eu, LabManager.com, Blog da Segurança Alimentar, Food Navigator, TechCrunch, bygora.com, Feed Navigator
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