Especialista na indústria de sorvetes, o cientista de alimentos detalhou sua experiência no mercado no novo episódio do Silêncios que Nutrem
O cientista de alimentos Igor Gabriel Damasceno Ribera, 28 anos, é consultor técnico da empresa italiana Fabbri 1905 – na unidade brasileira, localizada em São Paulo (SP).
Também conhecido como Igão, o profissional é o quarto convidado do projeto Silêncios que Nutrem e compartilhou conosco experiências no ramo de alimentos e até memórias afetivas que o trabalho oferece e ofereceu.
Nutricionista, engenheiro, pesquisador… cientista de alimentos!
Formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP), Igor resolveu se tornar cientista de alimentos para tentar unir suas paixões em uma área que tivesse futuro.
“O mercado de alimentos sempre vai existir, com ou sem inovações, o alimento precisa existir, porque a gente como espécie também depende disso. É um tipo de mercado que nunca vai acabar, a não ser que a gente entre em colapso. Mas, de certa forma, nunca vai acabar. Então, eu acabei pensando muito nisso também”, conta.
E o que é ser um cientista de alimentos?
“É estranho falar isso porque é uma carreira tão ampla, a gente tem tanta coisa a agregar. Seja na indústria, no comércio ou na sociedade, a gente tem muita coisa a agregar. Tentando correlacionar com algo que eu faço, o que eu faço é tentar trazer para o meu cliente, que é um produtor de sorvete, informações daquilo que eles estão fazendo. É trazer clareza para o alimento que eles produzem, mostrar que de certa forma é importante eles cuidarem da receita, é importante eles cuidarem do processo todo de produção, de toda a cadeia.
É mostrar para o produtor ou sorveteiro que a gente consegue desenvolver muitas coisas interessantes, mas que elas precisam ser feitas da forma correta, com a formulação correta, com higiene, tomando cuidado com os processos, com os equipamentos, com as pessoas que estão capacitadas.
Então, a ciência de alimentos engloba tudo isso, né? Um pouquinho nutricionista, um pouquinho engenheiro, um pouquinho pesquisador. Então, a gente consegue englobar todas as questões de uma só vez.”
Há quanto tempo que você trabalha já como cientista de alimentos?
“Estou no mercado de trabalho há três anos. Trabalhei exclusivamente com cerveja e com laticínios no geral. Produção de queijo, manteiga, creme… Agora, já estou na segunda empresa dentro do ramo de sorvetes. Eu estou bastante focado nisso, mas gosto muito de misturar essas áreas todas. Acho que elas têm uma correlação muito grande, mas hoje, o meu trabalho é quase que exclusivo para sorvete e gelatos.”
E o que é mais desafiador na sua profissão?
“Acho que o desafiador é conseguir desvencilhar todos os problemas que os sorveteiros têm no que diz respeito à formulação e também, já dentro do que eu faço na minha empresa, é trazer um pouco de praticidade e mostrar para eles que eles conseguem fazer de modo geral. Cada cliente me traz uma perspectiva diferente do que eu preciso apresentar, seja em produtos, seja em formulações. Alguns trazem problemas pouco complexos, outros trazem problemas muito complexos que a gente quebra a cabeça para poder desenvolver. Então, acho que o desafio maior é esse, é tentar me adaptar no sentido de conseguir atender todas as exigências que eles fazem.
Mas acho que outro desafio muito grande é justamente dar atenção em relação à inovação no mercado. Porque todo ano a gente precisa ou lançar produto, ou então encontrar receitas novas com os produtos que a gente já vende. Inclusive, acho muito legal o Upcycling para trazer novas receitas ou novas aplicações de produtos que às vezes para os clientes não tem toda saída.
Um exemplo: um cliente tem uma pasta de baunilha saborizante e o cara fica empolgadíssimo com essa pasta de baunilha. Só que ele só usa no sorvete e o sorvete não vende. Fica lá aquela pasta de baunilha sobrando, o cara não sabe o que fazer porque não vende. Então o desafio para a gente também é inovar nesse sentido. O que eu posso fazer com a baunilha que está parada no meu estoque? No fundo é dinheiro parado, produto que está vencendo…”
E o que que é o mais recompensador?
“Você entrar numa loja, numa sorveteria ou gelateria, e você ver que as mudanças que você propôs deram certo. Ver o cliente feliz da vida porque tá vendendo mais ou porque conseguiu desenvolver mais coisas e a loja está sendo um sucesso. Isso pra mim é o mais gratificante, mostrar todo o trabalho que você teve ali.”
Indústria alimentícia e o sorvete
O Igor já trabalhou em duas duas empresas na área de sorvetes. Antes da Fabbri, ele passou pela Polar, uma distribuidora da área, que vendia produtos para sorvete desde o palitinho de picolé até o freezer.
As duas experiências trouxeram bagagem para que o cientista pudesse lidar com as mudanças no mercado.
Quais foram as mudanças mais significativas que você observou no setor de alimentos ao longo dos anos e como foi se adaptar a elas?
“Eu percebo que as pessoas estão começando a entender essa questão do paladar, de trazer os produtos para algo mais natural. Retomar o sabor natural como uma tendência mesmo utilizando produtos industrializados. A tendência de mercado é essa de tomar esse apreço pelo sabor natural das coisas. O que eu percebo é que o sorveteiro tradicional tem uma aversão à mudança absurda, enquanto o gelateiro com um estabelecimento maior está pensando em mudanças constantemente.”
Qual a maior experiência que você leva de ter trabalhado na Polar?
“Lá eu entendi que o mercado é muito grande, muito extenso, e tem espaço pra todo mundo. A Polar tem, em média, 6 mil clientes atendidos por ano. É muita gente. Só que os clientes atendidos são todos de estados de São Paulo e centro-sul de Minas Gerais. Então, talvez não seja 10% do que é o Brasil, que tem um mercado absurdamente grande, principalmente nessa área.
Outra experiência importante foi ter tido o contato e influência em pequenos, médios e grandes produtores. De alguma forma, eu tenho impactado em alguma coisinha que eles fazem hoje. E ainda teve as viagens que fiz. Conheci lugares totalmente inesperados, viajei por todo o estado de São Paulo, devo ter conhecido mais de 400 cidades. E em Minas devo ter conhecido umas 150. Isso me permitiu viver paisagens, me permitiu viver lugares, restaurantes, pessoas completamente diferentes. Eu aprendi a me comportar e a lidar com qualquer tipo de situação. A Polar também me permitiu isso.”
Como você explicaria o seu trabalho para uma criança?
“Eu falaria assim: o Igor é um cara que trabalha em uma empresa, quebrando a cabeça, fazendo um monte de receita, para ele poder chegar numa sorveteria e ter um negócio diferente para ele tomar. No fundo é isso. A gente fica aqui na empresa criando um monte de coisas para as pessoas colocarem à venda, para elas aplicarem isso. Meu trabalho é isso. É mostrar pra uma criança que ela pode comer um brownie de pistache numa sorveteria. Ou talvez, sei lá, tomar uma limonada de morango dentro de um café.”
Passado, futuro e DNA
Igor tatuou na pele seu amor pela área dos sorvetes, queijos e cerveja. “É o meu DNA como profissional”, conta. Questionado sobre futuro e passado, o cientista não deixa de lado essas paixões.
Se você pudesse mudar alguma coisa na sua carreira, o que você teria feito de diferente?
“Muita coisa eu teria feito de diferente. Na época da graduação eu teria aproveitado um pouco mais, ter feito coisas um pouco fora do comum, principalmente no que diz respeito a minha profissão. Abrir um pouco o leque de ideias e de coisas com as quais eu poderia trabalhar. Mas ao mesmo tempo que eu penso que se eu fizesse diferente, eu não estaria aqui hoje. É complicado pensar nisso, né? Porque a gente fez o que fez. Então, eu penso nisso, assim, talvez eu faria isso, mas eu sinto que eu ainda tenho tempo pra poder aprender tudo aquilo que eu ou não quis, ou não tive oportunidade de aprender.”
Em relação ao futuro, como é que você se vê daqui a cinco anos?
“No momento em que eu entro em uma empresa, eu tento visualizar aquilo que a empresa pode fornecer de carreira tentando atrelar no que diz respeito a nível de conhecimento. Então assim, daqui cinco anos, eu penso sempre em duas possibilidades. Se eu continuar na empresa que eu estou hoje, quero poder realmente não só lidar, não só trabalhar com a área técnica e comercial, mas também, como eu estou estudando para isso. Então, quero expandir um pouco e aí, quem sabe, poder alcançar funções maiores. Talvez gerência, diretoria, enfim, coisas do tipo. Eu sei que isso requer tempo, talvez cinco anos não sejam o suficiente, mas eu estou tentando.
Em último caso, eu considero ter uma empresa de consultoria. Em todas essas áreas que eu gosto de estudar e me interesso muito pelo conhecimento delas, eu penso em ter uma empresa de consultoria para poder atender quem eu quiser, no tempo que eu quiser, enfim. É o modelo que eu acho mais interessante. Sem seguir o princípio de alguém, ou de uma empresa, né? Seguindo o meu só.”
Em relação ao seu tempo trabalhando com cerveja, você tem interesse em voltar para essa área?
“Olha, no fundo do meu coração, sim. Porque é muito incrível, é muito legal trabalhar com cerveja. E como eu já disse, os mercados também estão correlacionados. Eu sinto que tem correlações, principalmente, nesse quesito de aproveitamento de resíduos, que é onde a cervejaria mais abre brechas e que nem sempre são bem aproveitadas. Eu morro de vontade de trabalhar com cerveja de novo, mas não sei como, não sei onde e nem quando, porque eu também estou muito feliz trabalhando com sorvete.”
Seu trabalho de conclusão do curso foi desenvolver um queijo com lavanda. Pode falar um pouco sobre isso?
“Eu fiz numa fazenda, chamada Fazenda Atalaia, no interior de São Paulo. A Atalaia respeita a identidade dos produtos brasileiros, então eu tentei seguir essa linha, utilizando como base um queijo que a gente pode chamar de queijo meia cura, que é basicamente um queijo menos padrão que entra com um pouco de maturação. E eu tentei utilizar a lavanda porque ela tinha potenciais efeitos antimicrobianos e tudo mais. Por coincidência, perto da fazenda Atalaia existe ainda um lavandário. Eles produzem lavanda para extração de óleos essenciais, mas que todas as peças que eles trabalham lá também são comestíveis. Então a gente consegue utilizar, por exemplo, um caso de reaproveitamento, a flor que é pouco utilizada.
A gente conseguiu pegar alguns raminhos de folha e de flor misturadas para trabalhar dentro do queijo. A partir do momento que o queijo era prensado, a gente já adicionava lavanda. Ela fazia parte do processo de salga, de maturação, de secagem, tudo. O meu trabalho foi essa questão microbiológica para ver se a gente tinha algum efeito positivo no uso de lavanda dentro dos queijos de meia-cura. Era tentar estudar um pouco desse efeito. A gente teve poucos resultados, de certa forma, porque acho que a lavanda poderia ter sido melhor tratada. A gente também precisaria de mais tempo para poder estudar isso com mais calma. Mas, de certa forma, a gente percebeu que, mesmo em um queijo não contaminado, ele se preservava. Isso foi uma das coisas positivas. Ele se preservou com uma qualidade e não abriu espaço para contaminação. A lavanda, nesse sentido, ajudou a prevenir um pouco de uma contaminação externa, digamos assim.”
Sucesso é ajudar sem esperar algo em troca
Na vida fora do trabalho, o profissional diz não ser muito distante do quem é quando veste o crachá. Depois de contar que é curioso e extrovertido, Igor decretou sua visão do que é sucesso: impactar.
Eu queria saber quem é você sem o crachá.
“Sou bastante parecido com a pessoa com o crachá. Sou bastante curioso, intuitivo. E isso vem de mim desde moleque. Eu tento resgatar muitas coisas que eu gostava de fazer quando era criança e aí eu jogo isso pra mim até hoje. Então, eu sou muito espontâneo, bastante extrovertido, eu gosto muito de conversar, de entender coisas diferentes, de falar com pessoas diferentes. Eu gosto de fazer muita coisa ao mesmo tempo, se possível. Então, eu sou a pessoa dos esportes, eu também sou a pessoa do bar. Ao mesmo tempo que eu gosto de ficar em casa, ver filme, sozinho, enfim. Eu gosto de fazer tudo um pouquinho. Tudo que eu possa conhecer, tocar violão, enfim. Então, um pouquinho de cada coisa eu sei fazer.”
E qual que foi o melhor sorvete que você já provou?
“Apesar de eu sempre ter uma questão crítica, já que fui treinado para isso, eu junto essa questão da qualidade de um produto com a questão efetiva. Eu lembro muito de uma gelateria em Jaú, do interior de São Paulo, que foi uma das primeiras que eu experimentei, no início da minha trajetória trabalhando com sorvete. Foi uma das primeiras sorveterias que eu fui, e até hoje eu tenho bastante dificuldade para encontrar sorvetes com a qualidade que ele apresenta. Eu sou bastante fã. O sorvete deles é incrível. O dono de lá é um amigo meu pessoal, então a gente conversa muito. Aprendi muito sobre sorvete com ele.”
E qual é o seu sabor favorito?
“Eu não vou ter tão clichê assim e falar que é pistache. Gosto muito mas não é o pistache. Um sabor que me conquistou recentemente foi um sorvete à base d’água de morango com cumaru. Foi bastante diferente provar esse sabor, porque eu nunca tinha ligado a essas duas conexões. Além disso, ele trabalha a favor do nativo. A gente desvaloriza tanto os nossos produtos, a gente tem tanta coisa interessante pra mostrar. É ótimo quando temos um produto perfeito, saboroso e que traz ainda uma brasilidade absurda.”
Para finalizar, qual sua definição de sucesso?
“É poder impactar outras pessoas sem necessariamente ter a necessidade de levar o crédito por isso. Eu gosto muito de poder ajudar as pessoas e elas simplesmente me agradecerem ou então… me reconhecerem ali na hora que eu entro na loja, na hora que eu ajudo algum amigo, qualquer coisa do tipo. Pra mim é isso.”
Conversa boa passa rápido!
Essa foi nossa conversa com o Igor, o que achou? Ele é o quarto entrevistado do projeto Silêncios que Nutrem, que busca dar voz àqueles do ramo alimentício que nunca estão estão sendo devidamente escutados.
Caso você queira se conectar com o Igor, você pode encontrá-lo aqui.
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