Importância do raciocínio e da crítica 2: “Caçador” de Mitos

Mais um exemplo de manipulação, dessa vez vindo do vulgo “caçador de mitos”, que em vez de caçar mitos cria novos.

Aproveitando mais um exemplo de como é fácil manipular a informação, eis um artigo publicado pela revista Veja, em do colunista Leandro Narloch, que se auto-intitula “caçador de mitos”. Este inicia falando da apresentadora Bela Gil e sua dica de escovação dentária com cúrcuma, mas logo entra no assunto dos aditivos e agrotóxicos e sua relação com incidência de câncer, este sim, mote do artigo todo.

leandro narloch caçador de mitos

Concordo com ele quando diz que “pouca gente levou a sério a recomendação da chef e apresentadora Bela Gil de usar cúrcuma para escovar os dentes. Mas outras opiniões da chef, como a de que os fertilizantes, agrotóxicos e produtos industrializados prejudicam a saúde, têm milhões de adeptos.” É mesmo importante que um comunicador seja cuidadoso e que não caia na tentação do senso comum de criminalizar os alimentos industrializados  e colocar tudo que é “natural” como a panacéia dos males do mundo moderno. “Natural”, entre aspas mesmo, pois a definição do que é natural é bastante vaga e controversa (para não me alongar nisso, que não é o foco do post, a quem desejar saber mais sobre o que é “natural”, o que é isento de “química”, etc, sugiro a leitura dos livros do professor Carlos Alberto Dória, em especial “A Culinária Materialista“).

Voltando ao artigo, não compensa entrar no mérito de quais interesses estariam por trás dessa defesa gratuita do uso de agrotóxicos. É importante questionar aqui quando ele diz que “se fosse verdade que aditivos e agrotóxicos não são seguros, a incidência de câncer estaria explodindo, mas a taxa de quase todos os tipos da doença caiu ou ficou estável nas últimas décadas. A maior redução ocorreu justamente nos tipos de câncer do aparelho digestivo, provavelmente porque a popularização da geladeira e dos conservantes garantiu às pessoas alimentos mais frescos.” e disponibiliza um gráfico de Taxa de Mortalidade de diversos tipos de câncer em indivíduos do sexo masculino, de 1930 a 2008. Taxa de mortalidade e incidência da doença não tem ligação nenhuma.

O colunista disponibiliza o estudo. Veja o trecho que tomei a liberdade de traduzir: “o aumento na taxa de sobrevivência reflete tanto o progresso no diagnóstico de certos cânceres em estágio inicial quanto melhorias no tratamento. Fatores que influenciam na sobrevivência, tais como protocolos de tratamento, outras doenças, e diferenças biológicas e de comportamento de cada indivíduo, não podem ser levadas em consideração na estimativa de taxa de sobrevivência relacionada.”

Ou seja, a incidência de câncer está aumentando, porém, felizmente, a taxa de letalidade diminuiu graças aos avanços no diagnóstico precoce e no tratamento. Não se pode dizer que a aquisição de geladeiras ou consumo de aditivos tem qualquer relação com o câncer, especialmente tratando o índice de letalidade como se fosse o da incidência da doença.

E o “Caçador de mitos”, que diz dar uma visão politicamente incorreta da ciência, deu mesmo uma visão cientificamente incorreta da política e ciência. Pelo menos a declaração da apresentadora Bela Gil não causa danos como a dele. E muita gente ainda acredita nele…

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